Os contratos de seguro deverão obedecer uma nova regra padrão a partir de 2021. Foi o que definiu a International Accounting Standards Board (IASB), organização responsável por estabelecer normas contábeis a nível internacional. O objetivo da ação é uniformizar os processos utilizados no ramo, uma vez que os procedimentos são realizados de diferentes maneiras pelo mundo.
A nova norma, nomeada IFRS 17 (International Financial Reporting Standards 17), foi definida no ano passado, após duas décadas de especulações e reuniões. A sua obrigatoriedade, porém, foi estabelecida para o ano de 2021, dando tempo para que as empresas de todo o mundo se adaptem e se conscientizem quanto à impactante novidade.
“O IFRS 17 foi o standard mais complexo que a IASB emitiu em sua história, haja visto que foram vinte anos de discussão e interpretações”, explica Carlos Matta, sócio e líder de auditoria de seguradoras da PricewaterhouseCoopers (PwC). “Eram muitos países, com diversas normas completamente diferentes umas das outras, tentando harmonizar tudo isso.”
Para o especialista, a demora para um consenso sobre a norma é uma comprovação do impacto que a mesma representa. “Levaram vinte anos para chegar a uma norma, sendo ela bastante clara e assertiva” garante. “É um modelo bastante diferente do que temos hoje no Brasil e em grande parte do mundo”. O empresário ainda adverte que a nova norma não é uma questão opcional às empresas que emitem contratos de seguro. “Todos os países que adotam as normas do IASB como padrão contábil serão afetados, e quem não seguir a vigência não será aceito em alguns mercados”.
Vice-presidente Técnico do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Idésio da Silva Coelho Júnior acredita que a IFRS 17 é “extremamente relevante”. “A nova norma é mais abrangente, contemplando aspectos vinculados com o reconhecimento, mensuração, apresentação e divulgação das operações de seguros de forma padronizada, comparável no Brasil e internacionalmente”, detalha. “O novo modelo combina a mensuração do balanço patrimonial a valores presentes dos passivos dos contratos de seguro com os reconhecimentos dos resultados durante o período em que os serviços de seguros são prestados”.
Responsável pela autorização, controle e fiscalização dos mercados de seguros, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) adota um tom cauteloso ao comentar sobre a nova norma contábil. “Atualmente, a autarquia em conjunto com o mercado está avaliando o conteúdo da norma e os respectivos impactos previstos do ponto de vista da regulação, supervisão e operação, incluindo sistemas de informação”, garante um porta-voz da Coordenação Geral de Monitoramento Prudencial da entidade. “De forma preliminar, notam-se avanços na mensuração mais dinâmica dos passivos de seguro e na apresentação da situação patrimonial e financeira, e do desempenho”.
Contudo, o porta-voz adverte que os custos de adoção pelas entidades que emitem contratos de seguro e pelo supervisor, que atualmente usa boa parte das informações contábeis como insumo para a supervisão do mercado, podem superar esses benefícios esperados.
Além disso, estipula-se que o prazo para adaptação (até janeiro de 2021) não seja o suficiente para as empresas brasileiras. Segundo Carlos Matta, somente as seguradoras do exterior estão relativamente dentro da linha do tempo necessária e estarão devidamente preparadas para cumprir a nova norma em 2021.
“Na Europa, as empresas já vinham se preparando, e o IASB deu mais três anos para que elas pudessem de fato implementar, finalizar sistemas, customizar processos, olhar o meio de tecnologia e a base de dados, para poder implementar em 2021” explica. “Lá, esse processo já começou há dois, três anos atrás, ou seja, antes mesmo de sair a emissão do IFRS 17 as empresas já começaram a se movimentar para poder implementar”.
Quando o assunto é o processo de adaptação no Brasil, Matta é cauteloso. “Precisamos entender que é uma mudança muito grande, muito diferente e importante”, disse. “As seguradoras brasileiras já começaram o processo de diagnóstico, de impacto, principalmente as grandes que estão ligadas a bancos ou são companhias abertas e que precisarão estar prontas em 2021, sob risco de serem descredenciadas do mercado acionário por não seguirem uma regra contábil estipulada pelo órgão regulador”.
Segundo ele, as companhias brasileiras dificilmente conseguirão implementar a nova norma até 2021. “Informalmente falando, acredito que precisaremos de dois ou três anos a mais para que as empresas brasileiras consigam aplicar as novidades”, confessa. “É disruptivo, sendo que a companhia de seguros vai ter que mexer não só na contabilidade, mas também no processo operacional, no processo de venda do produto, terá que investir em tecnologia, em TI, software, treinamento de pessoas”.
A Susep adota a mesma postura e confirma que o prazo não será o suficiente. “As seguradoras e o próprio órgão regulador não estão preparados para as mudanças requeridas no IRFS17 para 2021”, admite o porta-voz da entidade. “Estamos avaliando quando seria possível adotar essa norma, mas ainda não temos uma resposta definitiva para essa questão”.
A entidade ainda acrescenta que a indecisão sobre o assunto no presente momento não garantirá um prazo diferenciado a todas as emissoras de contratos de seguro. “Algumas companhias poderão ser requeridas a fornecer informações contábeis na forma prevista pelo IFRS 17 já em 2021 por reportarem a outro(s) regulador(es), no Brasil ou no exterior”, explica o porta-voz. “Em todo caso, existe a possibilidade de postergação, pois as entidades supervisionadas só são obrigadas a adotar uma norma internacional emitida pelo CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis) quando esta é referendada pela Susep”.
Mais complexa e estruturada, IFRS 17 substituirá a IFRS 4 como norma padrão
Os estudos sobre uma padronização dos procedimentos do ramo de seguros, iniciou em 1997. Para Matta, a necessidade era iminente. “Cada país tinha uma forma de registrar, de preparar a demonstração financeira, e as diferenças eram bastante relevantes, em números e intensidade”, comenta o especialista. “Não conseguíamos comparar uma seguradora da Alemanha com uma austríaca, uma russa, uma brasileira… porque as práticas contábeis eram totalmente diferentes. Então o IASB começou a estudar um modelo de uniformização”.
Foi somente em 2004 que a primeira norma para os contratos de seguros foi emitida: o IFRS 4, que desde então é a norma padrão para o segmento. Segundo Matta, a norma já buscava harmonizar alguns procedimentos, mas ainda absorvia práticas locais de cada país. “Era uma norma internacional, com algum tempo de padrão, mas que também recepcionava muitas das normas locais de cada país”, justifica Matta. “Foi a primeira onda, a primeira tentativa de padronização, sendo uma norma bastante baseada em princípios em vez de normas, partindo de algumas diretrizes, padrões para os contratos de seguro seguirem”.
A IFRS 4 segue como norma padrão contábil às seguradoras até o dia 1º de janeiro de 2021, quando será substituída pela IFRS 17 – a norma mais complexa e estruturada. No Brasil, ainda não há confirmação de quando a mudança de fato acontecerá, mas a expectativa é que não seja dentro do prazo estipulado a nível internacional.
Fonte: Agência Brasil/Por Nielmar de Oliveira