Uma declaração do secretário da Receita Federal Marcos Cintra sobre uma proposta de reforma do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) gerou preocupação entre empresários e tributaristas. Durante evento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Cintra informou que a pasta está estudando a mudança na base de cálculo e diminuição na alíquota de 34,5% para até 20% e o afastamento das normas internacionais de contabilidade, adotadas pelo Brasil há cerca de 10 anos.
O conteúdo ainda não está fechado e deve ser complementar às mudanças previstas pela proposta de reforma tributária em tramitação no Congresso, ou seja, não deverá integrar o documento. A ideia da equipe da Receita Federal é instituir uma nova base de cálculo do IR baseada em um conceito de resultado fiscal e não no lucro contábil, como ocorre hoje.
O presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) Alfried Plöger, teme aumento na carga tributária devido à alteração da base de cálculo para incidência do IR. Além disso, a proposta apresentada não busca saídas em consonância com as normas internacionais, mas "abandona o modelo IFRS", o que pode ser muito ruim para as companhias com ações negociadas no exterior.
"Nossa temeridade é que um novo cálculo venha a incidir em impostos ainda maiores e, pelas razões expostas, nós somos contra", categorizou Plöger. A entidade reúne cerca de 300 empresas de capital aberto, que, somadas, representam 82% do valor das companhias listadas em bolsa.
Segundo Cintra, "as novas regras contábeis internacionais criam fenômenos absolutamente esdrúxulos para qualquer economista, criando obrigações e distanciamento entre o conceito tributário do lucro e o conceito contábil de lucro". O secretário da RFB sustenta que isso força as empresas a fazerem ajustes entre o lucro contábil apurado e o lucro tributário, que será a base da tributação do IRPJ, tornando o processo "complexo e interpretativo".
"A Receita interpreta de uma maneira e o contribuinte, de outra. Isso gera um contencioso gigantesco", defendeu o secretário. Cintra atribuiu à falta de objetividade e à adoção das regras contábeis internacionais o fato de o País contar com R$ 700 bilhões sendo discutidos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e uma dívida ativa de outros R$ 3 trilhões.
"O que vamos fazer nessa nova proposta é nos distanciarmos dos conceitos das regras contábeis internacionais e adotar princípios que tornarão tudo mais simples e muito mais objetivos os critérios para apuração do lucro tributável das empresas", anunciou Cintra no encontro com empresários paulistas. Procurada, a assessoria da Receita Federal disse que o órgão não vai mais se manifestar sobre o assunto.
O líder de auditoria da Grant Thornton Brasil, Octávio Zampirolo, diz que a mudança pretendida pelo Fisco vai na contramão dos esforços feitos nos últimos anos de adequar a tributação à evolução da contabilidade. "Com o eventual projeto haveria uma dissociação completa entre a norma contábil e a apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobe Lucro Líquido - CSLL. Essa alteração soa no mínimo preocupante e cria instabilidade jurídica, justo em um momento em que as companhias tentam sair da crise", reflete Zampirollo.
O especialista lembra que as empresas realizam todo seu planejamento financeiro, seu plano de negócios e orçamento com base nas normas internacionais de contabilidade e dissociá-las da tributação pode ter um efeito negativo nas contas da companhia. "O mundo inteiro caminha para uma adoção mais abrangente do IFRS, com o objetivo de ter uma uniformidade de prática contábil e permitir maior comparabilidade entre as companhias", revelou Zampirollo, salientando que abrir brecha para que as demonstrações financeiras brasileiras sejam arbitradas por parâmetros apenas internos pode ser um tiro no pé.
Através de nota, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) com forte atuação nacional e internacionalmente pela disseminação das IFRS, afirmou que vê com preocupação os comentários da Receita Federal sobre um eventual distanciamento das normas internacionais de contabilidade. "É inegável a importância da adoção das IFRS, que contribuiu para que o País avançasse na área contábil, uma vez que o seu reconhecimento garante informações mais precisas e confiáveis, gera alinhamento internacional e cria a base para um mercado mais transparente e atrativo para o investidor", salientou.
Fonte: Jornal do Comércio