Nove anos após lei federal regulamentar os direitos dos empregados domésticos registrados, os números revelam que, no Paraná, a maioria da categoria continua na informalidade, ou seja, sem o registro na carteira de trabalho.
A mesma legislação diz que é obrigatório o registro desse tipo de trabalhador.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos três primeiros meses de 2024, 74% dos empregados domésticos trabalham informalmente no estado.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostraram que o Paraná tem 338 mil trabalhadores domésticos, sendo 86 mil registrados e 252 mil sem o registro.
Em 2023, conforme o IBGE, 77% dos empregados domésticos do Paraná eram informais. Isso significa que, no ano passado, dos 341 mil profissionais identificados, 264 mil trabalham na informalidade, enquanto 77 mil têm registro na carteira.
O percentual é similar ao verificado no país. Em 2023, 76% dos empregados domésticos do Brasil não tinham registro em carteira.
Nesses cenários têm-se tanto aqueles profissionais que trabalham por dia e, assim, acreditam conseguir uma remuneração melhor, quanto aqueles que diante da falta de opção e da necessidade aceitam trabalhar sem o registro em carteira e, portanto, sem acesso a direitos trabalhistas.
Quem é trabalhador doméstico?
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o empregado doméstico é a pessoa que presta serviços de forma contínua por mais de dois dias por semana, sem gerar lucro para a parte empregadora.
A categoria abrange caseiros, faxineiras, cozinheiras, motoristas, jardineiros, babás, cuidadores de idosos e de pessoas com deficiências, por exemplo.
A Lei Complementar 150, de 2015, regulamentou direitos até então não usufruídos pela categoria como seguro-desemprego, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), remuneração do trabalho noturno e fixação de jornada de trabalho, entre outros. Saiba mais sobre a lei a seguir.
Vantagens e desvantagens para o trabalhador
Com base na pesquisa do IBGE, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) constatou, em análise feita em maio deste ano, que 92% dos empregados domésticos são mulheres.
Segundo o Dieese, a remuneração geral delas a nível nacional é de R$ 1.122. O levantamento contempla tanto trabalhadoras formais quanto informais.
O economista e diretor técnico do Dieese no Paraná, Sandro Silva, explicou que o valor está abaixo do salário mínimo, atualmente em R$ 1.412, e da remuneração geral das mulheres em outras profissões, que é de R$ 2.510.
Para Silva, o trabalho de empregada doméstica é uma atividade historicamente desvalorizada.
"Por falta de opções e pela necessidade de sobrevivência, de ter que sustentar a família sozinha, na maioria das vezes, a mulher acaba se submetendo a condições precárias de trabalho e a um salário baixo. Acaba sendo a única alternativa para ela", avaliou.
Para a advogada Janaína Braga, especialista em Regime Geral do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e em Direito Público com ênfase em Direito Previdenciário, o empregado na informalidade até pode ter uma remuneração líquida maior, mas acaba perdendo benefícios garantidos para quem tem o registro na carteira. Entenda no vídeo abaixo:
"O trabalhador abre mão da segurança jurídica que existe por trás da formalidade. No caso de acidente, por exemplo, este profissional não poderá se afastar e mesmo assim continuar recebendo. Ele troca a segurança imediata e futura por uma diferença monetária, mas que pode representar um sério risco", alerta.
Advogada fala dos prejuízos da informalidade
Janaína Braga considera que o empregado doméstico vive um dilema na hora de buscar serviço: escolher pelo registro e direitos previdenciários e trabalhistas, ou ganhar um pouco mais, mesmo trabalhando informalmente.
"Temos casos, que não são raros, de trabalhadores que estão há mais de 20 anos sem qualquer regulamentação. E isso, infelizmente, tem consequências. Não há recolhimento de todos os tributos, o que é negativo para a aposentadoria, por exemplo."
Segundo a advogada, a falta de registro na carteira de trabalho não traz consequências somente quando o empregado se aposenta.
"Previdência não é só aposentadoria. Aposentadoria é um benefício programado, mas e os não programados, como uma pensão, um auxílio-doença? Se a pessoa não estiver coberta, não tem direito. Eles exigem o mínimo de contribuição", aponta a advogada.
Número de informais cresce
Mesmo com a regulamentação, o número de empregados domésticos sem registro vem aumentando desde 2015 no Paraná, e sempre supera a quantidade de trabalhadores com registro:
ANO TOTAL COM REGISTRO NA CARTEIRA SEM REGISTRO NA CARTEIRA
2023 6 MILHÕES 1,4 MILHÃO 4,6 MILHÕES
2022 5,8 MILHÕES 1,4 MILHÃO 4,3 MILHÕES
2021 5,6 MILHÕES 1,4 MILHÃO 4,2 MILHÕES
2020 4,6 MILHÕES 1,1 MILHÃO 3,4 MILHÕES
2019 6,1 MILHÕES 1,7 MILHÃO 4,4 MILHÕES
2018 6 MILHÕES 1,7 MILHÃO 4,3 MILHÕES
2017 6,1 MILHÕES 1,8 MILHÃO 4,3 MILHÕES
2016 5,9 MILHÕES 1,8 MILHÃO 4 MILHÕES
2015 6,1 MILHÃO 2 MILHÕES 4 MILHÕES
Fonte: IBGE
Quanto custa contratar um trabalhador doméstico?
Por mês, contratar um empregador doméstico no Paraná custa pelo menos R$ 2.762. O valor considera o piso mínimo regional da categoria, que em 2024 é de R$ 1.927,02, mais R$ 834,98 de encargos trabalhistas e previdenciários.
O cálculo foi feito a pedido do g1 pelo contador e diretor administrativo do Sindicato das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações, Pesquisas e de Serviços Contábeis de Londrina e Região (Sescap), Nelson Barizon.
Ele explicou que os R$ 834,98 representam um percentual de 43,33% dos encargos, divididos de seguinte forma:
8% de contribuição patronal previdenciária para a seguridade social, a cargo do empregador doméstico, nos termos do art. 24 da Lei Orgânica da Seguridade Social, de 24 de julho de 1991;
0,8% de contribuição social para financiamento do seguro contra acidentes do trabalho;
8% de recolhimento para o FGTS;
3,2% na forma do art. 22 desta Lei da Seguridade Social, podendo ser resgatado em caso de pedido de demissão do empregado;
8,33% de férias;
2,78% de 1/3 sobre as férias;
8,33% de 13º salário;
3,89% de encargos sobre as férias e 13º salário.
Barizon lembrou ainda que será cobrado do empregado doméstico de 8% a 11% de contribuição previdenciária, que serão descontados no holerite e não entram como custo do empregador.
O valor final de R$ 2.762 não inclui o vale-transporte, que pode variar entre as cidades paranaenses.
O diretor do sindicato também fez uma conta do custo que o empregado doméstico teria nos estados sem o piso regional.
Nesse caso, considerando o salário mínimo, atualmente em R$ 1.412 e os encargos, o custo mensal para o empregador seria de R$ 2.023,82.
Direitos e deveres
Com a Lei Complementar nº 150, os principais direitos aos empregados domésticos foram regulamentados, como:
Jornada de trabalho: os empregados domésticos podem trabalhar, no máximo, 8 horas por dia e até 44 horas semanais. Pode ser adotada a jornada 12 x 36, mas somente acordo escrito entre empregador e empregado;
Hora extra: se o período máximo de trabalho for ultrapassado, o empregado tem direito ao pagamento de hora extra, que será de, no mínimo, 50% a mais que o valor da hora normal
Intervalo para refeição ou descanso: segundo a legislação, o intervalo será de, no mínimo, 1 hora e, no máximo, 2 horas para a jornada de 8 horas diárias;
Férias: empregados têm direito a férias de 30 dias e remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais que o salário normal após cada período de 12 meses de serviço prestado à mesma pessoa ou família;
13º salário: a Lei Complementar 150/15 definiu que o empregado doméstico poderá receber o 13º salário em duas parcelas, sendo que a primeira deve ser paga entre os meses de fevereiro e novembro, e a segunda até o dia 20 de dezembro;
A Lei Complementar nº 150 também criou o Simples Doméstico, um regime que reúne os tributos e encargos trabalhistas que deverão ser recolhidos pelos empregadores domésticos em função dos trabalhadores a eles vinculados.
O governo federal disponibilizou uma cartilha para que o empregador aprenda como navegar no sistema e cadastrar as informações do empregado.
Quando o empregador doméstico não salda as contribuições previdenciárias está, segundo a Receita Federal, sujeito a ações trabalhistas ajuizadas pelo empregado, acréscimo de até 20% da dívida em decorrência da inscrição em Dívida Ativa da União e possível penhora e arresto de bens e multa e juros de mora que são cobrados no caso de pagamento em atraso, por exemplo.
Procurado pelo g1, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) disse, em nota, que "realiza a Campanha Nacional pelo Trabalho Doméstico Decente, com o objetivo de oferecer ações informativas e de fiscalização para reforçar a garantia do cumprimento dos direitos dos trabalhadores domésticos".
Segundo a pasta, "cabe à Inspeção do Trabalho a fiscalização do trabalho doméstico. O registro das empregadas e empregados domésticos é uma obrigação legal do empregador, que deve ser cumprida".
De acordo com a advogada Fabiana Baptista de Oliveira, especialista em Direito do Trabalho, a lei estabeleceu regras que exigem atenção tanto de quem contrata, como de quem é contratado.
Fonte: Por Rafael Machado, g1 PR — Londrina