''Saque do FGTS não terá filas'', diz presidente do conselho curador

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18 de maio de 2020

''Saque do FGTS não terá filas'', diz presidente do conselho curador

Em meio à pandemia, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço virou fonte de renda para população mais vulnerável. Nova rodada do auxílio de até R$ 1.045 será liberada ''o mais rápido possível'' para cerca de 60 milhões de trabalhadores em 15 de junho, promete conselho

Com R$ 530 bilhões em ativos, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) entrou na mira dos planos econômicos de combate ao coronavírus assim que os brasileiros perceberam o impacto que a crise da covid-19 teria no bolso dos consumidores e das empresas brasileiras. Assim, o governo federal autorizou a realização de mais uma rodada de saques do FGTS e permitiu que as empresas e os empregadores domésticos adiassem por até três meses o recolhimento do tributo de seus funcionários. O saque emergencial, previsto para começar em 15 de junho, promete liberar até R$ 1.045 para cerca de 60 milhões de trabalhadores, injetando mais de R$ 30 bilhões na economia brasileira. E o diferimento tributário promete dar um alívio de caixa de até R$ 30 bilhões para as empresas. O Conselho Curador do FGTS preparou, ainda, medidas como a antecipação do saque aniversário e a possibilidade de que algumas das instituições que são financiadas pelo fundo pudessem suspender por até seis meses os pagamentos ao FGTS por conta da pandemia do novo coronavírus. E, agora que começam a ganhar força os planos para a retomada econômica pós-pandemia, o FGTS também já começa a olhar para o futuro. A ideia é de ampliar os investimentos em saneamento e infraestrutura, reduzir as taxas de juros dos financiamentos habitacionais e oferecer mais rentabilidade aos trabalhadores que têm contas no fundo. Isso começa a ser discutido nos próximos dias, afinal, o FGTS admite que também será afetado pela crise da covid-19, devido à queda das arrecadações e ao aumento dos saques rescisão, decorrentes da alta da inadimplência e do desemprego. E, por isso, admite que também vai precisar se reinventar para poder pôr em prática todos esses planos de retomada. Confira, a seguir, o que está na mira do presidente do Conselho Curador do FGTS, Julio Cesar Costa Pinto.

 

Na última reunião do Conselho Curador, o senhor disse que houve uma pressão muito grande para que o FGTS contribuísse no enfrentamento à crise do novo coronavírus. O que o fundo preparou para esse momento?

É natural que isso aconteça durante a crise. Legislativo e Judiciário buscaram o máximo possível de medidas que pudessem reduzir o impacto do coronavírus. E o FGTS tem mais de R$ 530 bilhões de ativos. Naturalmente, não foram poucas as medidas discutidas e as ações impetradas no Judiciário para fazer uso desses recursos. A principal delas foi a ADI 6379, que pedia o saque do FGTS, já que a lei do fundo permite o saque em situação de desastre natural. Mas o decreto que regulamenta esse dispositivo é para ações muito pontuais como enchentes e vendavais, não era para algo como a pandemia. E o valor de saque desse decreto é de até R$ 6,2 mil por pessoa. O FGTS, portanto, posicionou-se dizendo que a leitura não era essa e que a medida teria um impacto grande, de R$ 147 bilhões, caso 90% dos 60 milhões dos trabalhadores que têm contas no FGTS fossem sacar. Um valor desse, o fundo não consegue suportar, porque os valores são aplicados em operações de longo prazo. Hoje, a gente tem cerca de R$ 20 bilhões de disponibilidade para os saques que ocorrem normalmente, como quando pessoa é demitida. Por isso, encaminhamos argumentos para o Supremo e o ministro Gilmar Mendes passou a decisão para o plenário. Não temos nenhuma decisão, ainda, mas ganhamos tempo para discutir mais. E, aí, lançamos a MP 946, que libera um saque de até um salário mínimo, o que era possível fazer com os recursos do fundo sem mexer na questão orçamentária, já que os recursos estão aplicados em habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana. Outra medida que aprovamos na pandemia foi a antecipação do saque aniversário, através de uma operação de crédito que está em regulação na Caixa e em junho estará disponível. São medidas que temos tomado para minimizar os efeitos dessa crise.

A MP 946 será votada pelo Congresso e há parlamentares tentando ampliar o valor desse saque. O governo está negociando essa questão com o Congresso?

A MP ainda não teve o relator definido, mas já são mais de 140 emendas tentando elevar o saque do valor de um salário mínimo para essa monta de R$ 6 mil. Na apresentação da medida, falei pelo Conselho Curador e pelo Ministério da Economia que estamos disponíveis para conversar com os deputados e os senadores e dar transparência, para que o que for deliberado seja dentro das possibilidades do fundo. E já analisamos todas essas emendas. Assim que o relator for escolhido, a ideia é procurá-lo para apresentar nossas posições sobre as emendas. Os conselheiros também estão disponíveis para que a decisão do Legislativo seja apoiada e não coloque em risco o fundo. O FGTS tem uma importância muito grande para o desenvolvimento do país. Então, não adianta fazer algo emergencial e acabar com o equilíbrio. Além disso, calculamos que esse valor seja suficiente para atender à maior parte dos trabalhadores que têm conta no FGTS. Cerca de 50% dos trabalhadores vão sacar todos os recursos que têm e são essas pessoas que têm valores baixos que são as mais necessitadas, as mais pobres. Se ampliarmos o valor do saque, começamos a entrar em uma parcela da população que tem mais recursos e, aí, a eficiência é baixa. Com um salário mínimo, já zeramos 60% das contas. Se aumenta para R$ 6 mil, zera 80% das contas e beneficia quem tem muito recurso.

 

Não há um risco de esses trabalhadores que podem zerar a conta do FGTS no saque emergencial ficarem sem nada na conta do fundo? Se forem demitidos daqui a um tempo, conseguirão fazer o saque rescisão?

A pessoa vai ter direito a acessar o recurso dela, agora, com o saque emergencial. Vai poder sacar todo o dinheiro. Se continuar trabalhando e for demitida, vai ter direito ao que for depositado depois.

 

A Medida Provisória 946 foi publicada há mais de um mês. Por que o calendário de saques ainda não foi divulgado?

Para liberarmos o saque emergencial sem mexer na questão orçamentária, decidimos usar os recursos do PIS/Pasep antigo. São R$ 22 bilhões que estão parados e vão ser incorporados ao FGTS. O saque desse recurso do PIS/Pasep está aberto desde o ano passado, mas a adesão foi baixa porque muitas pessoas não sabem que têm recurso lá. Também tínhamos uma sobra do saque imediato. E isso tudo possibilitou cerca de R$ 33 bilhões em saques de um salário mínimo. Mas, como fizemos a operação de extinção do PIS/Pasep, precisamos de um pouco mais de tempo. Esses recursos do PIS/Pasep estão em aplicações, a maioria, no BNDES. Então, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa vão tornar esses recursos líquidos. E, como tem um fundo constituído, tem o trâmite burocrático de extinguir o PIS/Pasep. A ideia é extinguir o fundo até o fim de maio para transferir os recursos para o FGTS. Por isso, a previsão é de que o saque seja a partir de 15 de junho.

Temos menos de um mês para todo esse processo. Dá tempo de liberar o saque em 15 de junho?

Dá, sim. Estudamos isso muito fortemente com o BNDES e a Caixa. Apertamos o máximo possível o prazo. Já saíram algumas portarias e temos uma reunião marcada do conselho do PIS/Pasep para dar o ‘ok’ às transferências. Está dentro do prazo. Em 31 de maio, estará transferido para o FGTS.

Como a Caixa é a operadora do FGTS, os saques serão feitos na Caixa. Está em estudo alguma medida que evite a formação de filas nas agências bancárias, como aconteceu no auxílio emergencial?

O calendário de saques vai ser definido pela Caixa, mas a ideia é  de que que seja entregue o mais rápido possível para as pessoas, sem filas. E será mais fácil, porque já fizemos o saque imediato no ano passado. Além disso, os trabalhadores conseguem transferir o saque para outros bancos pelo aplicativo do FGTS. Vai ser mais simples.

 

Já temos dados sobre o aumento do saque rescisão?

Temos algumas informações das secretarias de Trabalho, porque nunca é imediato. A pessoa não é demitida e, já, no dia seguinte, saca o dinheiro. Mas, de fato, era esperado isso numa crise dessas. Vai ter mais saque, redução do recolhimento, mas as coisas estão sob controle. O que é bom é que o programa do governo de suspensão e redução da demanda de trabalho vai permitir que a retomada seja mais rápida, porque não vai ter o tempo de contração, o trabalhador já volta imediatamente.

Qual o risco de aumentar o valor do saque emergencial diante desse cenário?

Se há uma deliberação elevando o valor, haverá baixa eficiência do saque porque vai ter um grande uso de recurso por uma parcela muito pequena da população. E na questão orçamentária, pode haver necessidade de desinvestimento de recurso.

Então, o orçamento pode ser revisto, inclusive com redução dos investimentos em habitação, infraestrutura e saneamento?

Sempre há possibilidade de rever o orçamento deste ano e dos anos seguintes. Quando aprovamos o orçamento em fevereiro, aprovamos para quatro anos na frente. E, em junho, temos uma reunião sobre o de 2021. Podemos rever o orçamento, mas vamos ter que conversar sobre isso dentro do Conselho Curador, quando a poeira baixar, para ver o que temos de aplicações e recursos para repensar.

A construção civil é um dos focos do FGTS. Há algo para o setor?

Nós apoiamos o setor de habitação. Mas tivemos uma conversa com uma instituição financeira e soubemos que o setor continua rodando bem, continua funcionando. Eu até pensei que parte do orçamento da construção ia acabar não se realizando este ano, mas, pela informação que tive, está funcionando. Então, não tem demanda nesse sentido. Além disso, o impacto da suspensão dos recebimentos para esse setor seria muito grande. Dado o tamanho das aplicações do fundo em habitação, não seria possível.

No início do ano, vocês reduziram o orçamento da habitação do próximo ano, mas prometendo baixar as taxas de juros das linhas de financiamento habitacional vinculadas ao FGTS, como o Pró-Cotista e o Minha Casa, Minha Vida. Como anda essa discussão?

O Ministério do Desenvolvimento Regional é que faz a aplicação dos valores da habitação e deve levar essa discussão sobre a taxa de juros para as reuniões do grupo técnico do Conselho Curador. É uma resolução que define as taxas de juros e várias outras questões, como a taxa de remuneração do agente operador. Ainda estamos para receber essa resolução, mas essa discussão deve ser iniciada, junto com o setor privado e com os outros conselheiros, na próxima reunião do grupo técnico, nesta semana, na terça-feira. As conversas serão iniciadas.

Também há uma reunião do Conselho Curador prevista para os próximos dias. O que está na pauta?

Provavelmente, a questão da mobilidade, da suspensão dos financiamentos, deve ser trazida. Também vamos ter um informe da Caixa na linha de transparência, que temos tentado aumentar no Conselho Curador. A ideia é de que as pessoas tenham acesso às aplicações do fundo, vejam como os recursos estão sendo aplicados em cada estado, para ajudar a desenvolver o país.

E para o pós-pandemia? O que está sendo pensado para que o FGTS contribua com o processo de retomada econômica?

A retomada vai ser em linha com o que já vínhamos planejando, que é aumentar os recursos das aplicações. Queremos diminuir a carteira de títulos e pegar os recursos para algo mais produtivo. Todos os conselheiros estão na mesma linha, que é ter mais recursos aplicados em habitação, saneamento e mobilidade. E tudo isso vai ser casado com essa resolução que vamos discutir na terça-feira, que trata das taxas do fundo. Queremos deixar as coisas transparentes e ter taxas razoáveis. A ideia é tornar rentável esse fundo, dar transparência ao pagamento da rentabilidade aos trabalhadores e acabar com aquela pecha do passado de que as pessoas perdiam dinheiro deixando o recurso no FGTS. Queremos mudar isso, porque é possível dar uma rentabilidade real, acima da inflação, e também contribuir com o desenvolvimento do país. Mas, para isso, tem que ter transparência, as pessoas têm que saber que seu dinheiro está sendo aplicado e terá um retorno. Isso tudo está sendo ajustado e, quando tiver esse mapa definido para as pessoas, poderemos definir mais recursos para habitação, saneamento e mobilidade urbana.

“O calendário de saques vai ser definido pela Caixa, mas a ideia é de que seja entregue o mais rápido possível para as pessoas, sem filas. E será mais fácil, porque já fizemos o saque imediato no ano passado. Além disso, os trabalhadores conseguem transferir o saque para outros bancos pelo aplicativo do FGTS. Vai ser mais simples”.

 

Fonte: Correio Braziliense/ Por: Marina Barbosa.