Se o governo brasileiro fosse uma família, seria daquelas grandes, com muitos talheres à mesa e à beira de ganhar uma nova boca para alimentar. O texto que regulamenta o Uber, o PLC 28/2017, foi para o Senado, após ter sido aprovado na Câmara há alguns dias. Se passar, grosso modo, transforma o serviço de transporte de “privado” em “público”, exigindo placa vermelha e letreiro luminoso nos carros, autorização das prefeituras e uma série de novos tributos e papelada.
A despeito da discussão do certo ou errado neste caso, o episódio mostra uma característica bem peculiar do “Brasil paizão”: um gostinho especial em centralizar tudo na Economia.
Na teoria, é bonito. “Muita gente começa a usar empresas como formas de praticar crimes, por isso existem as regulamentações”, diz Edson Isfer, professor de Direito da Universidade Federal do Paraná. Mas, na prática, o excesso mais atrapalha do que ajuda. A enxurrada de normas, regras e processos no Brasil tem tornado a vida do empresário (e todos que dependem dele) uma das mais difíceis do mundo.
Exigir placa vermelha nos carros do Uber não é muito diferente do princípio que leva um empreendedor a gastar mais de cem dias só para abrir uma empresa. Nos Estados Unidos e no Chile, só para citar dois exemplos, isso é feito em menos de uma semana. O levantamento é do Banco Mundial, no relatório “Doing Business 2017”. De 190 países, somos um modesto 123.º colocado quando o assunto é “facilidade de empreender”.
“O problema é que as regras aqui são para evitar a exceção, pois 99% das pessoas fazem a coisa certa. Só que a regulamentação é focada nesse 1% que pretende burlar as leis. É uma cultura da desconfiança”, diz Marcela Zonis, diretora de Pesquisa e Mobilização da Endeavor, uma organização de apoio ao ambiente empreendedor no país.
Um relatório de 2015 da entidade, chamado “Burocracia nos Negócios”, apontava que o árduo caminho para abrir uma empresa no país inclui espantosos 153 dias somente para a regularização dos imóveis, com alvarás e outros documentos, nem sempre essenciais – daria para percorrer a costa brasileira de carro nesse período e garantir um bronzeado melhor do que o propiciado pelos cartórios.
Medida
O governo federal criou, em março, o Conselho Nacional para a Desburocratização – Brasil Eficiente, que tem como objetivo melhorar os processos na administração pública. A medida foi recebida com otimismo pelo empresariado, embora ainda não se saiba como irá, de fato, atuar.
É só um dos cenários. O levantamento do Banco Mundial conclui que por aqui as empresas gastam mais de 2 mil horas por ano só para entender e pagar os impostos – a média da América Latina, que já não é lá um exemplo de agilidade, fica na casa das 300 horas. Tempo que poderia ser gasto com produção, mas que é aplicado em preencher papelada. “As regras mudam constantemente. Às vezes, a empresa nem sabe o que fazer”, diz Marcela.
Uma das conclusões do relatório da Endeavor é que há tributos federais, estaduais e municipais, nada muito sincronizado. Não à toa, um estudo da Fiscosoft com 441 clientes apontou que quase 90% das empresas precisam de dois a quatro funcionários apenas para lidar com a legislação.
Não é só chato, mas improdutivo. Nem empresa, nem governo ganham com a burocracia, já que ela é uma espécie de “tributação vazia”: exige muito do empresário e não resulta diretamente em dinheiro aos cofres públicos. Em vez disso, desanima o empreendedor e pode levar uma parcela à informalidade, que hoje já acomoda 10 milhões de trabalhadores, segundo o Pnad. Só que empresa informal não paga imposto. E aí o tiro sai pela culatra.
O caminho, pondera Marcela, não é desregulamentar tudo, mas investir em “regras coerentes e de bom senso” e ajustar a sua fiscalização. “São anos e anos de acúmulo de leis e regras. Não vai mudar do dia para a noite. O lado positivo é que o discurso de mudança começou.”
Uma posição também sustentada pelo professor da UFPR, que prefere igualdade de competição. “No caso dos táxis e do Uber, é que um é altamente regulamentado e o outro, não. Deve haver igualdade”, diz Isfer. Mas, talvez, a solução ideal não esteja em apertar o laço de um e, sim, soltar o do outro.
Retrato da burocracia
Processos lentos, tributos complicados e normas em excesso transformam o Brasil em um dos piores países do mundo para empreender.
Facilidade de fazer negócios
Os países desenvolvidos e os vizinhos do Brasil atropelam o país neste quesito. Nova Zelândia lidera o ranking de 190 economias.
Tributação excessiva
O empresário brasileiro gasta 2.038 horas anuais só para entender e pagar os impostos. O Brasil está na 181ª colocação na eficiência de tributação.
Horas anuais para pagar os impostos
Tempo para abrir uma empresa
Brasil é o 175º. Um brasileiro homem leva, em média, 79,5 dias para abrir a empresa. Se levar em conta a morosidade do sistema, o número sobe para 101,5 dias.
Procedimentos legais para um negócio funcionar
Melhoras
O Brasil piorou no quadro geral de facilidade. Em 2016 ocupava a 121ª posição. Mas o Branco Mundial vê melhoras nos processos de abertura de empresas, comércio internacional e execução de contratos.
Relatório Doing Business 2017, do Banco Mundial. Infografia: Gazeta do Povo.
Fonte: Gazeta do Povo