A pandemia de covid-19 está deixando um rastro de destruição na economia global sem precedentes e, no Brasil, não é diferente, avisam especialistas. Uma certeza entre eles é que a recuperação da economia não será rápida e o empobrecimento da população, de forma geral, será inevitável. Com isso, os hábitos de consumo vão mudar, principalmente da classe média, maior alavanca do Produto Interno Bruto (PIB). Ela mal se recuperou do baque da recessão de 2015 a 2016 e corre o risco de encolher ao longo dessa nova recessão, devido à forte expectativa de aumento do desemprego daqui para frente. Analistas fazem o alerta para que o governo, que está perdido no meio da polêmica sobre o teto de gastos, fique atento a esse problema. Ele pode ser uma das travas do crescimento da economia no pós-pandemia.
O auxílio emergencial de R$ 600, que tem beneficiado mais de 60 milhões de vulneráveis, e a liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ajudaram a atenuar o impacto da crise na economia e algumas previsões estão sendo revistas. Estimativas da economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), mostram que, se não fossem essas medidas, a projeção de queda do PIB seria de 7,5% em vez dos atuais 5,5%.
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, tem alertado que o processo de retomada da economia será parcial e desigual e que todos os países sairão da crise mais pobres. O Fundo prevê queda de 4,9% no PIB global, a maior desde a Grande Depressão, e retração de 9,1% no PIB brasileiro deste ano, uma das previsões mais pessimistas. Mas, até mesmo as otimistas, como a do governo, de recuo de 4,7%, são as piores da história, segundo analistas.
Na avaliação do economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, com a inevitável perda da capacidade de renda nessa crise, a classe média, não deve voltar aos velhos hábitos no pós-pandemia e isso precisa ser contabilizado nas projeções do governo e do mercado. Ele reconhece que o auxílio emergencial de R$ 600 ajuda aos mais pobres, contudo, não será capaz de impulsionar a recuperação do consumo de forma robusta. “Esse é um ponto da história. O segundo é que a pandemia produz uma mudança nos padrões de consumo, principalmente, da classe média, e que os economistas não estão prevendo nas projeções. Os serviços não vão ter o mesmo poder de impulsionar a retomada, porque a demanda dos consumidores da classe média não será a mesma”, explica.
Pastore reforça que a desigualdade elevada do Brasil também será um dos maiores entraves para a retomada de um crescimento acima de 3% em 2021 previsto pelo governo. Segundo ele, ainda não é possível estimar o verdadeiro impacto da crise da covid-19 na economia, porque não existe experiência histórica dessa crise. “As incertezas são enormes sobre a retomada e as pessoas fazem projeção como se não existisse a pandemia”, critica.
A classe média, que é a maior fatia da população, em torno de 54%, está mudando os hábitos de consumo, principalmente, do setor de serviços — que representa 73,9% do valor adicionado de riqueza gerada na economia do país. “A classe média é bastante heterogênea na questão de consumo e atravessa transformações. E não é apenas uma questão de redução da renda, mas, também, sobre o sentido real do consumo na vida das pessoas. Ela está fazendo uma reflexão nesse período em que está ficando em casa”, analisa Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. Pesquisa da entidade constata que a maioria acredita que terá redução de renda na pandemia e pretende mudar os hábitos de consumo ou já está mudando e, consequentemente, gastando menos com viagens e restaurantes e fazendo um novo arranjo no orçamento familiar.
Especialistas avisam que a queda no consumo de serviços será inevitável, mesmo com pesquisas recentes indicando o começo de retomada. “Até a descoberta da vacina, as pessoas vão viajar menos e reduzir a frequência em restaurantes, teatros, cinemas. E, quem trabalha nesses estabelecimentos, normalmente pessoas das classes D e E, também devem sofrer impacto no emprego”, diz Meirelles. Ele destaca que a economia vai demorar para voltar a crescer e lembra que novas relações de consumo estão em construção. “Atualmente,18 milhões de brasileiros já recebem renda por meio de algum serviço de aplicativo e não são apenas entregadores”, afirma.
Renda menor
Pelas estimativas de Pastore, o país sairá dessa crise com uma renda per capita menor do que antes da recessão de 2015 e 2016, porque o país ainda não tinha saído da primeira crise. “Supondo que o PIB caia 4,5%, com as projeções mais otimistas, e, como a população cresce 0,8%, o PIB per capita vai cair 5,3%. Logo, estaremos 10%, 11% abaixo do PIB per capita de 2014”, compara. “O Brasil tem um quadro feio para frente, não tenho dúvida”, alerta. Ele acrescenta que PIB não tem capacidade de crescer mais do que algo entre 1,5% e 2% no pós-pandemia, porque não seguiu o exemplo dos países que fizeram bloqueios mais duros, como Austrália, Coreia do Sul e Japão.
Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), também não tem dúvidas de que o empobrecimento do Brasil será inevitável nessa crise. Ele estima que o PIB per capita deverá cair, pelo menos, 6,6% neste ano, no mesmo patamar da década perdida de 1980. “Vai ser o pior resultado da série histórica desde 1981”, compara. Ele reconhece que esse cenário ainda é otimista porque não considera uma segunda onda de contágio da covid-19.
Fonte: Correio Braziliense/ Por: Rosana Hessel