Talvez o maior desafio a respeito das chamadas criptomoedas (como a Bitcoin e Ethereum) seja a carência de uma definição concreta de seu caráter que as permitam ser reguladas de maneira própria e irrefutável.
Para fins de pleno entendimento, utilizaremos da constatação divulgada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) no Comunicado no. 31.379/17, a qual elucida a diferença entre criptomoedas e as moedas eletrônicas para que não haja qualquer equívoco ao estudar a sua tributação. De acordo com o comunicado, ainda que a compreensão de moedas eletrônicas seja comumente confundida com a de criptomoedas, a Lei nº 12.865/13, define moeda eletrônica como o representante digital de um valor de moeda soberano (como o Real) e certificado pelo Estado. Ou seja, nada mais do que o armazenamento de determinado valor em reais em aparatos eletrônicos. Já criptomoeda existe por ela mesma, não sendo lastreada por qualquer outro tipo de valor ou moeda dita soberana. O Comunicação do BACEN é explícito em estabelece que “não há, no arcabouço legal e regulatório relacionado com o Sistema Financeiro Nacional, dispositivo específico sobre moedas virtuais.”
Dada esta compreensão, podemos ver a complexidade da natureza do bitcoin. Ela existe, mas não é regulada. Ainda nos embasando no Comunicado do BACEN, embora continue em discussão por especialistas e instituições da área contábil, financeira e econômica, a percepção, por hora, do bitcoin é a que transita entre o bem fiscal e a moeda propriamente dita, dependendo muito de cada caso específico e seu detalhamento processual. Mas, independentemente da percepção adotada, não se pode negar de que a transação com criptomoeda pode resultar ganho financeiro ou originar-se de uma prestação real (como o trabalho), e, como tal, é passível de ser tributado.
Mas antes de entrarmos neste mérito, é importante compreender eventuais riscos nas transações de criptomoeda. Justamente pela falta de uma regulamentação, reconhecimento e emissão dos órgãos estatais, tanto nacional quanto estrangeiro, a criptomoeda torna-se uma iniciativa que, inevitavelmente, ainda carrega consigo certo grau de incerteza. Desde o seu armazenamento até a variação de sua cotação no mercado, procedimento algum possui qualquer tipo de acompanhamento ou certificação de uma autoridade governamental. Além do que, a criptomoeda também não pode ser convertido oficialmente para moedas soberanas, e não é lastreado de qualquer forma, o que limita seu valor única e exclusivamente para a esfera digital.
Tributação
Como citado acima, a criptomoeda ainda é um conceito abstrato aos olhos da legislação e regulamentação financeira. Isso não deveria torna-la isenta de tributos, mas sim passível de adaptação para o que for cabível dentro das características da hipótese tributária. Ora, se a criptomoeda é cada vez mais aceita como forma de pagamento em diversos estabelecimentos, tanto físicos quanto virtuais pelo mundo a fora, em troca de serviços e mercadorias, devemos excluir da incidência tributária operações que configuram o fato gerador tributário somente porque foram pagas em moeda “não regulamentada” e não emitida oficialmente por governos?
Mas a criptomoeda já está sendo tributada…
Um engano frequente a respeito do uso da criptomoeda é o de que, devido ao seu lastro inexistente assim como regularização soberana, ele não se configura como ação suscetível a ser declarada no Imposto de Renda. Mas como qualquer ganho deve sempre ser propriamente informado, no caso de pessoas físicas, renda advinda de transações via criptomoeda devem ser declaradas no quadro “Bens e Direitos” (código 99), na subseção descrita como “outros bens”. Nela, serão requeridos dados como a data da transação, a natureza do objeto adquirido, sua quantidade e a cotação atual da moeda em corrente nacional. Atualmente, ganhos abaixo de R$35.000 por meio das ações que utilizam da criptomoeda não se qualificam como necessárias de serem tributadas. Porém, ao ultrapassar esse valor, o contribuinte estará sujeito a uma taxa que varia de 15% a 22,5% sobre o valor total do ganho de capital obtido, segundo o Perguntas e Respostas a Declaração do IRPF (questões 544 e 607). Já em caso de pessoa jurídica, a declaração também se aplica, porém estará sujeita ao regime tributário no qual a própria empresa se qualifica, podendo ser lucro real ou presumido, ou mesmo o regime do SIMPLES.
EUA vs. Brasil: os caminhos para a regulamentação
Enquanto nos Estados Unidos, a discussão se mostra mais avançada a respeito do reconhecimento e criação de normas para as operações via criptomoedas, o Brasil, embora um pouco atrasado, segue os mesmos passos. Membros tanto do Senado quanto do Congresso norte-americano já colocaram a discussão em pauta, entendendo o quão pertinente e necessária é a sua regulação. A maior diferença entre o andamento dos países no assunto é o modelo legislativo dos EUA que funciona por meio de legislativos independentes para cada estado, sem leis soberanas na federação neste aspecto. Um exemplo disso é o estado do Arizona, o qual possui uma lei a ser sancionada que permitirá que seus cidadãos paguem impostos através do bitcoin, o que já indica um posicionamento progressista do país.
Entretanto, já consta na regulamentação do Internal Revenue Service (IRS) algumas hipóteses em que já tributação da renda correspondente a conversão da criptomoeda:
Criptomoeda como investimento ou propriedade;
Criptomoeda em troca de bens e serviços: o valor recebido em criptomoeda deverá ser convertido na data em que foi recebido, e classificado como receita bruta;
Mineradores de criptomoeda (são pessoas ou empresas que “emprestam” recursos computacionais para validação de criptomoedas, e são remuneradas nas mesmas moedas) – sob regime autonômo: o valor recebido em criptomoeda deverá ser convertido na data em que foi recebido, e classificado como rendimento;
Criptomoedas pagas por empregador como remuneração a empregado: deverão ser tributados como salário pelo Imposto de Renda na Fonte e pela Contribuição ao Social Security.
No Brasil o debate se mostra mais acirrado, com diferentes opiniões de profissionais tanto da área jurídica quanto da contábil.
Veja que, no caso brasileiro, conforme artigo 463 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o salário deverá ser pago em moeda corrente do país. Desse modo, o pagamento de salário em criptomoedas estaria vedado pela legislação trabalhista, inviabilizando, em teoria, o recolhimento de contribuição previdenciária, FGTS e IRRF sobre tais pagamentos. Deve-se ainda destacar que não há jurisprudência trabalhista ou previdenciária sobre criptomoedas, gerando ainda mais insegurança jurídica sobre o tema.
Entretanto, um indicativo positivo poderá ser visto em parecer que será emitido pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM) no no início de maio (http://bit.ly/fundo_cripto). A conferir. Ficamos na expectativa de que este órgão ofereça mais segurança jurídica aos investidores da criptomoeda, haja vista que em suas primeiras deliberações a respeito (Deliberação CVM no. 785/17), a CVM proibiu a “comercialização de títulos ou contratos de investimento coletivos relacionados oportunidade de investimento relacionada a cotas em grupo de investimento em mineração de Bitcoin (“Hashcoin Brasil”) sem os devidos registros (ou dispensas deste) perante a CVM”. Não obstante, não explicita que a criptomoeda não seja um valor mobiliário, ou seus títulos/contratos derivados, à luz da Lei no. 6.385/76.
É claro que, por se tratar de uma proposta inovadora e não muito familiar ao mainstream, estes passos serão vagarosos; e, até a regulamentação completa de todo o arcabouço que envolve o universo das criptomoedas, os riscos decorrentes do anonimato digital, da falta de um órgão emissor que responda pelas transações, de vigilância e certificação de todos os processos, todos continuarão a existir, o que faz da criptomoeda (como a bitcoin) uma promessa tão atrativa quanto ainda incerta, por mais vantajosos que seus ganhos possam futuramente ser.
Por hora, recomenda-se cautela no escopo geral. Estudemos e permaneçamos engajados com todo e qualquer passo no andamento para a inserção da criptomoeda no mercado sempre. E para os investidores, uma consultoria profissional torna-se indispensável. Olhos atentos que saibam ponderar tantos os ganhos quanto os riscos sempre serão a melhor escolha para quem optar por se aventurar neste novo horizonte do mundo financeiro que está – felizmente – em constante renovação.
Fonte: Portal Dedução