Além da flexibilização de saque proposta na MP 889/2019, que possibilita retirada anual no aniversário do cotista, 134 emendas modificam, de alguma forma, o fundo criado para ser uma poupança do trabalhador e usado para financiar habitação e infraestrutura
O destino do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pode mudar drasticamente nos próximos meses. Em análise no Congresso, prestes a se tornar lei, a Medida Provisória (MP) 889/2019, que altera o saque de contas inativas e cria o saque-aniversário, recebeu 134 emendas de parlamentares, com as mais diversas sugestões. Fora as ideias destinadas à MP, há mais de 100 projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado sobre o assunto.
As mudanças nas regras devem começar a ser discutidas com mais ênfase a partir do início de outubro, com a apresentação do parecer sobre a MP pelo relator da comissão mista que debate o assunto, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). O parlamentar já adiantou que vai sugerir flexibilizar mais as regras propostas e que uma das ideias é liberar o saque para quem recebe até um salário mínimo (R$ 998, atualmente).
Na Câmara, líderes partidários estão dispostos a mudar ainda mais a MP, sob o argumento de que o dinheiro é do trabalhador, não do governo. Deputados estudam, por exemplo, elevar o limite de saque para R$ 1 mil, em vez de R$ 500. Outros apostam em valores intermediários, como R$ 600 ou R$ 700, com medo de prejudicar o mercado imobiliário. O Novo deve ir além e propor o fim da contribuição dos trabalhadores ao FGTS.
Em observação
Algumas emendas que foram apresentadas à MP no Senado e podem ser incluídas no parecer ou no plenário geram controvérsias. Das 134 sugestões, cinco são “perigosamente prejudiciais ao empregado da iniciativa privada”, na análise de Neuriberg Dias, assessor legislativo e analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Os representantes dos trabalhadores no Conselho Curador do FGTS devem e precisam acompanhar com atenção a tramitação e o debate no Congresso”, alerta.
Estudo feito pelo Diap ressalta que algumas emendas vão além do saque. Têm caráter de reestruturação do FGTS. Propõem, por exemplo, a extinção para substituí-lo por um fundo que poderá ser gerido por qualquer instituição financeira. A emenda 134, por exemplo, define que o banco que administrará o novo fundo será escolhido pelo empregador.
Por essa proposta, os saldos acumulados serão transferidos para esse novo banco, e os depósitos deverão ser imediatamente aplicados em títulos do Tesouro Nacional — é vedada a manutenção de saldo em conta. E o mais grave, segundo os analistas, é que, como determina a emenda, o gerenciamento será livre. O trabalhador poderá direcionar os recursos a outras modalidades de aplicação que considerar adequadas, assumindo o risco e o retorno de suas escolhas.
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic), acredita que o risco de mercado não pode se aplicar ao FGTS. “É uma proposta demagógica que não se sustenta”, argumenta. Ele reclama que a MP 889, que permitiu o saque de R$ 40 bilhões, já prejudicou a criação de empregos no setor. “Significa perda de 400 mil empregos na construção civil. Foi uma medida açodada”, reitera.
Outras emendas, na análise do Diap, devem ser olhadas com lupa. Uma delas determina que qualquer projeto que movimente as contas tem que ter garantias de que serão mantidos os recursos para os financiamentos. Outra destaca que o Fundo de Investimento (FI-FGTS) será administrado pelo BNDES. A Caixa será o agente operador de recursos para habitação. O BNDES, para a infraestrutura.
O senador José Serra (PSDB-SP) insiste que a liberação do FGTS “é populismo”. Em um artigo, ele diz que “é uma medida heterodoxa, apesar de promovida por uma equipe que se considera ortodoxa: elevar o consumo subtraindo recursos para financiar investimentos”. “Expande-se a demanda das pessoas por bens e serviços à custa do encolhimento potencial das operações de investimentos subsidiadas pelo fundo”, afirma. E reforça que criar uma modalidade permanente de saques das contas do FGTS “compromete investimentos subsidiados pelo fundo e deixará a maioria dos trabalhadores sem recursos na demissão e na aposentadoria”.
No radar
Há, ainda, outras matérias em tramitação nas duas Casas, que tratam tanto da flexibilização dos requisitos para os saques quanto do destino dos recursos. O Projeto de Lei nº 1540/2019, que permite o saque para custear cursos de nível superior e cirurgias essenciais à saúde, está em estágio bastante avançado de tramitação no Senado — pronto, inclusive, para ser avaliado pelo plenário.
Apresentado pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), em março, antes mesmo de o governo ter enviado a MP que liberou o saque das contas inativas, em julho, o PL foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) em agosto. Um dos objetivos é alavancar o acesso ao ensino superior, diante das mudanças recentes nas regras e da redução de recursos destinados ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e no Programa Universidade para Todos (Prouni), que levaram à redução nas matrículas.Continua depois da publicidade
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), pediu à Secretaria-Geral da Mesa para que a proposta comece a tramitar em conjunto com outras quatro que tratam do FGTS. Caso o requerimento seja aceito, serão analisados juntos ao PL de Valentim um projeto que permite usar os valores para quitar dívidas de imóveis de parentes de primeiro grau e outro que cria regras para a remuneração e penalização para o empregador que não realizar os depósitos previstos.
Um que permite a mães responsáveis pelo sustento de dependentes sacar o fundo, em até seis parcelas mensais de um salário mínimo, no primeiro ano de vida da criança. Por fim, há um que acaba com a cobrança de contribuição social devida por empregadores em caso de demissão sem justa causa.
“Os representantes dos trabalhadores no Conselho Curador do FGTS devem e precisam acompanhar com atenção a tramitação e o debate no Congresso” Neuriberg Dias, assessor legislativo e analista político do Diap
Fonte: Correio Braziliense